Forjado no catolicismo desde a colonização, o extremo sul piauiense revela em seus diversos prismas, tradições que ultrapassam gerações. A religião católica foi e é muito importante para a cultura local. Desde tempos imemoriais a população local creditou sua devoção a diversos santos. Devoção essa que se iniciava de maneiras distintas e até místicas, encontrando imagens em locais inabitados ou cumprindo promessas aos santos de devoção. Assim, surgiram alguns festejos locais como o das localidades Riacho Grande em homenagem a São Luiz Gonzaga e São Luiz de França, da localidade Porta do Araçá em homenagem a Santo André e do Retiro de Cima em homenagem a Nossa Senhora do Patrocínio, alguns que caíram no esquecimento.
Porém nenhum dos festejos acima referidos nasceu do misticismo, mas sim, da vontade unilateral dos donos de fazenda, colonizadores que queriam um local sagrado perto de si. Em outro sentido, do misticismo, da crença em milagres e do encontro de imagens em locais inabitados nasceu a devoção às Almas do Pequizeiro e São Benedito da Palmeira, a primeira capela se encontra no Município de Parnaguá - PI e a segunda no Município de Riacho Frio – PI.
O festejo de São Benedito da Palmeira continua vivo, forte e atraindo centenas de milhares de devotos. A história do festejo, remonta ao século XIX. Conta a tradição oral que, no lugar Palmeira, então município de Parnaguá, um vaqueiro na sua lida diária encontrou a imagem de São Benedito, no local foi erguida uma pequena capela em sua homenagem, capela esta que foi transferida de local. Episódio bastante conhecido pelos populares é a fuga de São Benedito. Conta-se que levaram a imagem para a cidade de Riacho Frio – PI, instalando – a, na igreja local. Ainda, sucede que, ao amanhecer do dia quando foram olhar o local onde a imagem deveria estar este “era o lugar mais limpo”, isto é, o Santo havia fugido. Com a fuga do Santo os moradores locais foram procurá-lo, se dirigindo a Palmeira, encontrando-o na sua Capela. Não satisfeitos tornaram o levar a cidade de Riacho Frio, e desta vez amarraram o Santo a correntes e o prenderam com cadeados, a mais pura perca de tempo, quem pode com um ser divino? Ninguém. O Santo voltou a fugir, e foi para sua casa, a Capela erguida em sua devoção na Palmeira.
Por essas e outras, inclusive, diversos milagres relatados por devotos, ocorrem entre os dias 02 e 10 de junho na localidade Palmeira, município do Riacho Frio/PI, o festejo de São Benedito. A ocasião reúne pessoas dos mais diversos locais do país e são levadas pelo mesmo sentimento: a devoção. O Festejo de São Benedito atravessa gerações, haja vista ser um conhecimento passado de descendentes aos filhos e por sua vez, aos netos. A propriedade onde a comemoração religiosa é realizada pertencia a Benjamim Marques Rodrigues (in memorian) e sua esposa Dona Helena Bembem.
A festividade de São Benedito revelou durante sua história nomes que se tornaram personalidade do evento e de toda a região ao redor. A exemplo, temos o senhor Manoel, morador da cidade de Parnaguá - PI, que durante muito tempo foi participante ativo no festejo. Sua participação se dava na música, tornando-se um dos sanfoneiros de maior reconhecimento local. Em entrevista dada aos colunistas do Memórias Narradas, o senhor Manoel declara que sua devoção ao Santo é compartilhada também por sua esposa e filhos, tanto que foi dada continuidade da trajetória musical pelos seus filhos. Ele recorda ainda a época em que a musicalidade do evento era marcada por três instrumentos: a zambumba, sanfona e triângulo. Atualmente é marcado com shows mais completos em termos de estrutura física e de atrações musicais variadas. Considerando ainda que os meios de locomoção na época eram muito restritos e o lugar distante, as pessoas realizavam suas romarias indo a pés, a cavalos, de carroças, até mesmo como forma de promessa.
Em 2020, a realização do evento foi interrompida devida a situação pandêmica que ainda perdura. Este ano os devotos puderam ter acesso ao Santo com algumas restrições sanitárias, situação que não foi permitido passar longas horas no local, uma vez que em edições passadas os romeiros iam para acampar, se instalando ao redor da Capela por dias, o momento de contato com o Santo passou a ser individualizado, respeitando o distanciamento social com período curto nas preces para dar acesso aos que aguardavam. Além do senhor Manoel, a dona Marinalva relatou o mesmo sentimento nostálgico de quando pudera estar presente no festejo de São Benedito. Eles relataram saudade e boas experiências, compartilhando que nos tempos remotos, o evento mesmo com toda essa grandiosidade, era tranquilo, sem necessidade de policiamento. Foram muitas promessas pagas nesses anos de devoção relatados pelos entrevistados e, claro, muitas histórias narradas. E no que diz respeito às promessas, elas se encontram vivas pelas novas gerações, como pode ser visto pelos “Vaqueiros Romeiros de São Benedito da Palmeira”, grupo de Parnaguá/PI que surgiu em 2016 a partir de uma promessa do então ex-vereador Maurílio Lóia e na época era formado apenas por 4 pessoas, neste ano, mais de 28 romeiros foram a cavalo para Palmeira, com muita animação pela estrada de chão e fazendo pausas pelo caminho para alimentação.
As novas gerações em suas experiências também revelam grandes desafios e possibilidades, como a história narrada pelo Raimundo Carvalho, morador da cidade de Parnaguá/PI, conhecido popularmente como “Kalango”. A sua pratica de devoção rendeu 56 km a pés como cumprimento de promessa até a Capela de São Benedito, ele saiu da zona urbana de Parnaguá 4 horas da manhã e chegou ao destino final às 20 horas da noite, acompanhado por um amigo também fiel; conta ainda, que a sensação que esse momento traz é de renovação física e espiritual, além do lazer social praticado no local. Agora em Junho, Kalango se reuniu com um grupo de três pessoas, eles utilizam camisetas personalizadas como identificação do grupo e juntos seguem para pagaram promessas, rezaram o terço, e desfrutar o momento de religiosidade em Palmeira.
O jovem Klevio Mendes, residente no Riacho Frio/PI em relato a coluna também compartilhou sua emoção ao retornar o local semanas atrás: “é com grande satisfação que venho aqui falar um pouco da minha experiência sobre o seu festejo onde arrasta multidões com a sua fé e esperança de dias melhores, e sim, já tive pedidos atendidos pelo Senhor, pela graça de São Benedito, não me lembro mais de quantas vezes eu já fui ao festejo, quem já foi uma vez sempre quer ir outras e outras vezes; terra de um povo acolhedor da família do (Sr. Beijão e da Sr. Helena), são muitos relatos que não cabe em uma só folha se formos falar, de uma coisa eu tenho certeza até quando Deus e São Benedito permitir, estarei marcando presença sempre na Palmeira de São Benedito.”
Nota-se a grandiosidade do Festejo de São Benedito marcado pela presença de romeiros dos mais diversos lugares do país, em destaque a população sul piauiense católica que coloca em prática seus atos de devoção e seu momento de sociabilidade.
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Colunistas: Laís Fernandes, Gabriel Alves e Kelvys Louzeiro
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