Vista pela sua grandeza, não apenas pelo seu número de membros, como também pelas demonstrações e vivências, a família Viana representa uma raiz cultural nessa imensa árvore de frutos artísticos vista na tão conhecida e denominada “capital da cultura”: Corrente, Piauí. O sul piauiense revela bens que podem ser classificados nas mais diversas esferas sociais, sejam bens econômicos, sociais, educacionais, ambientais, etc. Alguns desses bens podem ser vistos, podem ser recolocados, podem desaparecer por consequência da ação ou da omissão do homem. Entretanto, ao falar em bens imateriais, no que diz respeito à cultura, mais especificamente, ressalta-se a sua característica insubstituível seja pela sua origem, pelo que representa, pelos seus feitos únicos e pelo conhecimento que pode transitar gerações. A intenção de perdurar o conhecimento cultural é o propósito visto nas tradições realizadas pelos Vianas domiciliados ao extremo sul do Piauí.
A dimensão cultural da Família Viana se mostra tão presente desde os tempos remotos que, aqui, demarca-se uma era para introduzir e externar, por meio da escrita proposta, a apresentação de tamanho tradicionalismo. O inicio do século XX revela um dos primeiros membros de destaque dentre os Vianas, o senhor João Clementino, também conhecido como “João Brabo”. Ele e sua esposa, dona Izidória Viana, anos depois gerariam grandes personalidades. O casal se instalou na localidade rural conhecida como Maracujá. Em toda a vivência, o casal promovia a sua subsistência e de sua família com plantio e colheita nas terras onde residiram, técnicas agrícolas passadas aos seus descendentes, dentre eles o primogênito do casal, o seu Ozias Viana, carinhosamente conhecido como seu “Totô”.
Por muitos anos, o seu Ozias Viana permaneceu na zona rural e por lá desempenhou trabalhos em fazendas. Ainda no Maracujá ele desempenhou a técnica de fabricação de alvenaria, antes conhecida como “adobo”. A fabricação artesanal era feita na casa de seus pais em forno construído para este fim. Casou-se com a senhora Lívia Viana, residiram no Maracujá e na localidade Lagoa. Juntos conceberam 10 filhos: Sunamita Viana, Luzeni Viana, Lêda Viana, Lícia Viana, Iêda Viana, Justino Viana, Anderson Viana, Olívia Viana, João Viana e Izidória Viana (in memoriam). A diversão da família era garantida, entretenimento proposto não pela diversidade de recursos e sim de criatividade. A família se reunia ao redor de fogueiras e juntos brincavam, cantavam e dançavam. Muitas histórias foram contadas nesses momentos, muitos relatos da própria família e muitos outros contos, lendas em que a natureza, a fauna e a flora também faziam parte. Algo marcante que essas ocasiões protagonizavam era a dinâmica de “jogar verso”, onde os envolvidos criavam histórias a partir do verso dito por outra pessoa, e assim, enredos improvisados eram formados. O desafio permanecia madrugada adentro.
A migração da zona rural para a zona urbana da então família foi um marco de muito significado para o patriarca Ozias Viana e revelou a abertura de muitas oportunidades que estariam por vir. A nova residência de seu Ozias Viana, localizada na atual Avenida Quitino Custódio – Centro e inicialmente adquirida por meio de herança, se revelaria como ambiente de recepção e acolhimento, não apenas por serem virtudes que o patriarca detinha, mas também pela localização geográfica do novo lar que se encontrava no centro da cidade de Corrente, de modo que, familiares e amigos pela necessidade de irem à cidade e pela falta de recursos restavam recepcionados pelo seu “Totô”.
A educação, o ensino de valores e princípios era o objetivo do casal para seus filhos, além da educação religiosa que seria protagonizada pela esposa do seu Ozias Viana. O catolicismo esteve muito presente por longos anos de vida da dona Lívia Viana, dentre as festas tradicionais passadas aos seus descendentes estava a comemoração do “período de Reis” a cada janeiro. Nessa ocasião, a matriarca reunia as moças da família para juntas cultuarem e dançarem para os santos católicos. Festa similar era vista no primeiro dia do mês de novembro, também conhecido como “Dia de todos os Santos”. A família reunida promovia a adoração de santos. Cada filho do casal deveria entrar no local de adoração com um santo em mãos, mostrando reverência a todas as outras imagens já depositadas no santuário. A celebração era festejada com banquetes, música, danças e rezas. Nessa mesma linha de religiosidade, a dona Lívia em conjunto com outras mulheres organizou o “Grupo de Rezadeiras” que perdurou por longo período.
Com o passar dos anos, Corrente foi criando a forma da urbanidade, demandando maior atuação da população em ações de caráter social para oferecimento de educação profissionalizante gratuita e fomento da economia municipal. Nesse sentido, foi criada a Cooperativa Mista onde um dos projetos oferecidos, o “Projeto Piauí” destinava-se à promoção de ensino artesanal e educação culinária. Seu Ozias Viana e sua esposa participaram do projeto e juntos iniciaram a aprendizagem daquilo que seria símbolo de referência do seu “Totô”, o querido e famoso doce de maracujá-do-mato. Outras variedades também eram produzidas pelo casal, mas este, especificamente, conquistou a clientela correntina. A fabricação do doce demanda a colheita do fruto, a lavagem, a retirada das sementes – que devem ficar reservadas para retornarem ao doce em seu processo final - o período do molho, horas de cozimento, adição de açúcar até alcançar o ponto em que é possível extrair o mel da preparação, em seguida e já frio, embala-se o doce. O processo integral até que o produto chegue ao consumidor pode durar dias. Toda essa herança culinária foi deixada pelo seu Ozias Viana aos seus descendentes. Atualmente, o doce de caráter artesanal é produzido e comercializado por uma de suas filhas, a Iêda Viana, na residência tão querida pelos Vianas, segundo lar urbano do seu “Totô” onde permaneceu até o fim de sua vivência. A residência que se tornou ponto de encontro de amigos e família, de reuniões e festividades familiares, se encontra na Rua Adolf J. Terry, próxima à EMATER e ao Hospital Estadual. Um lugar de vidas acolhidas, diversão familiar, ensino educacional e religioso e de valor imaterial.
O ambiente de descontração era fator constante, mesmo em meio às tarefas diárias. Uma remessa de doce saindo do fogo; outra remessa indo para o fogo. Entre uma panelada e outra, um pouco de diversão, uma música cantada, um ritmo exaltado. Para os momentos de lazer, a dança era o principal entretenimento. Dessa relação música e dança passa a fazer parte da família Viana o “Cateretê”, popularmente conhecido como “roda trocada”, uma dança onde os participantes formam duas filas, uma de homens, outra de mulheres e ao som da música, sapateiam, batem palmas e trocam os pares. A presença da música na juventude dos jovens Vianas se mostrou desde sempre muito assídua, tanto que, uma das filhas do seu “Totô”, a Luzení Viana, despertou-se para a prática da dança mais trabalhada: a quadrilha. Luzení Viana, influenciada pelo “Cateretê” passou parte de sua vida adulta a organizar quadrilha e gritá-la, reunindo membros, ensinava-os e passava os passos já existentes além de outros criados e inovados pela mesma. Ficou conhecida pela arte da dança que promovia na cidade, onde era palco para milhares de pessoas nos festivais municipais e, assim, influenciou também outro membro da família de tal forma que o seu sucessor alçaria voos ainda mais altos na cultura familiar e regional. Ozenilton Viana, professor, ex-gerente municipal de cultura (2009 – 2012), ex-presidente do Sindicato dos Professores de Educação (2016 – 2018), filho de Jovita Viana, sobrinho de Ozias Viana, iniciou ainda muito jovem no magistério, se encontrou na profissão e nela está até os dias atuais. Seguindo passos já trilhados pela sua prima Sunamita Viana, ou simplesmente dona “Su” como muitos a chamam. Primogênita do seu “Totô”, dona Sunamita Viana foi educada em uma das instituições mais tradicionais da região sul piauiense, o Instituto Batista Correntino. Após sua formação dedicou-se à carreira de magistério, exercendo-a também em outros estados além do Piauí. Foi professora, diretora e se aposentou na profissão. Muito conhecida pelos batistas da região e pelo seu ativismo dentro da igreja evangélica. O dom dos Vianas para o ensino era visto não apenas em sala de aula, foi assim que Ozenilton Viana demonstrou que a arte de ensinar poderia quebrar barreiras e dispensar limites. Pelo aprendizado já adquirido por meio das suas participações nas quadrilhas organizadas pela sua prima, Luzení Viana, surgiu a necessidade dele substituí-la na organização da quadrilha já tão bem representada. Ele não hesitou e em 1987, Ozenilton Viana animou sua primeira quadrilha. Daí por diante muitas premiações foram conquistadas o que levou à criação do “Grupo Tradição”, única quadrilha do sul do estado cadastrada na Federação Piauiense de Quadrilhas – FEPIQ. Como gerente municipal de cultura desenvolveu o “Festival Estudantil de Quadrilha”, no intuito de resgatar essa manifestação cultural nas escolas.
Pelo desejo de manter viva a tradição junina, em reunião familiar no ano de 2014 foi proposta a ideia de organizarem uma quadrilha só com integrantes da Família Viana, uma festa que seria animada, celebrada pelos e para os Vianas como representação de encontro familiar e cultural. O primeiro ano em que as ideias juninas foram executadas, a família realizou a quadrilha e em caráter intimo uma fogueira, pois a intenção era ter apenas membros da família ali agregados. No ano seguinte o encontro já seria denominado “Arraiá da Família Viana”, uma festa preparada pelos membros da família na localidade “Branquinha”, saída para Teresina. Os anos vindouros revelaram surpresas a respeito do Arraiá da Família Viana, o que antes era uma comemoração intima, foi adquirindo público e notoriedade. Hoje o Arraiá é um dos maiores do sul do estado, agregando pessoas de vários lugares, momento que possibilita encontros e reencontros. Nele também é oportunizada a apresentação de outras quadrilhas da cidade, abrindo o evento. Toda a estrutura possui planejamento de sonoplastia, estacionamento, praça de alimentação, etc. Todas as barracas de comidas típicas da ocasião são organizadas pelas mulheres Vianas. Na decoração também foi colocada à disposição dos visitantes o “Museu da Família Viana”, como amostras simbólicas de objetos, fotos, artigos decorativos e de trabalho artesanal que fizeram parte de gerações passadas da respectiva família. A festa já é tradição na cidade, realizada no primeiro sábado do mês de julho, encerrando os eventos do período junino. Toda a organização, planejamento e desenvolvimento são realizados pelos integrantes Vianas. Com muita maestria executam o evento com recursos próprios e oportunizam a apresentação de outros artistas locais. No ano de 2020 seria o 7º Arraiá da Família Viana que não veio a ser realizado pelas adversidades e circunstâncias que trouxe a pandemia. E em 2021 ainda por medidas de restrições em prol da saúde pública, não haverá o Arraiá, indubitavelmente, um evento de enorme valor social, cultural e econômico para a cidade de Corrente.
A Família Viana não para por aí!
Como forte hábito de convivência conjunta, as novas gerações promovem outros eventos familiares anuais, como acampamento no período da semana santa, o culto da família no mês de julho, ocasião em que muitos Vianas distantes vêm prestigiar, o Natal da Família Viana e o tradicional “Oz Fest”, comemoração de aniversário do Ozenilton Viana que reúne basicamente a família.
As demonstrações de harmonia atreladas ao ensino, à cultura são vivências presentes nessa família que revela tamanho zelo pela “capital da cultura” como é conhecida nossa querida cidade de Corrente, além de um forte senso de justiça presente em seus integrantes, a exemplo, cita-se a Olívia Viana, filha de Ozias Viana, professora e conselheira tutelar de 2011 a 2019, hoje ainda atuando na profissão como suplente. Em tal cargo, se colocou e coloca à disposição do bem social e da resolução de conflitos familiares. Possui o reconhecimento e admiração de muitos correntinos.
A colunista que aqui redigi, neste momento abandona a terceira pessoa do singular e agarra a primeira para então poder dizer:
Eu, Laís Fernandes, filha da professora Cristina Vieira, neta da trabalhadora rural Luzeni Viana, bisneta do doceiro artesanal Ozias Viana, me sinto grata por fazer parte de uma família de tamanho ideal, amor e autenticidade. Orgulho-me dos meus e das caminhadas em que percorreram. Hoje como graduanda em Direito, vejo que o meu saber e conhecimento se iniciaram muitos anos antes da minha vida acadêmica. Sou fruto de lutas, de pelejas, de pessoas que não tiveram voz quando assim deveriam e de outras que só tiveram porque entraram em campo social de batalha diária em uma cidade onde poucos são reconhecidos e exaltados. Continuarei lutando e levarei o Viana não apenas no sangue, mas na fala também. Sou uma futura advogada, sou empreendedora, professora, sou ativista pela educação, e antes de tudo isso, sou Viana!
Aos Vianas todo o respeito e admiração que esta coluna pode externar. Gratos somos por tudo que fizeram e fazem pela cultura, pela arte correntina e pelas pessoas, haja vista ser uma família que exala e vive o amor. Ensina tanto e ensina mais que o conhecimento cientifico.
Relatos narrados por Ozenilton Viana, Luzeni Viana e Sunamita Viana em entrevista concedida aos colunistas:
Colunistas: Laís Fernandes, Gabriel Alves e Kelvys Louzeiro
Instagram: @memoriasnarradas
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